É amplamente difundida a idéia de que a manutenção de uma vida ativa é fator fundamental para a prevenção da diabetes e de outras doenças do rol da síndrome metabólica. Como não se sabe o grau de predisposição que nossa genética nos brindou a enfermidades, seria saudável e inteligente evitar o sedentarismo. A prática de exercícios físicos é também, desde muitos séculos, reconhecida como parte da terapêutica. Mas muitos insistem em falar da dificuldade de adesão às práticas físicas.
Porque um diabético faria exercícios e manteria uma vida ativa? Seria porque o mandaram fazer isso? Por acaso seria porque algum profissional de saúde sedentário, sentado confortavelmente numa poltrona, lhe disse: “Você tem de fazer exercícios!”? Os benefícios de uma vida ativa em relação à manutenção da saúde são amplamente referidos. Mas é isso o suficiente? Como e porque “conquistar” o pré-diabético e o já diagnosticado à prática e mantê-lo em um estilo de vida ativo e saudável?
Explicar de forma didática e convincente é um dos caminhos – mas lembremos que muitos já são “sedentários convictos” há anos.... A prática de exercícios físicos tem conseqüências físicas, sociais e psicológicas, todas igualmente importantes e, para convencer o diabético, precisamos estar confiantes de que esta é realmente uma prática útil, necessária, saudável e que pode ser muito prazerosa!
Diabetes mellitus é um distúrbio metabólico que se caracteriza principalmente por uma dificuldade do organismo em manter estável, dentro dos padrões de normalidade, a glicemia, seja por insuficiência ou incapacidade de ação da insulina, levando a quadros de hiperglicemia. Esta hiperglicemia, por sua vez, é responsável por vários e diferentes danos a diversos tecidos em nosso organismo – como retina (olhos), nefros (rins), endotélio (nas veias e artérias), neurônios (nervos), tecido conjuntivo das articulações entre outros.
As alterações metabólicas produzidas pela exercitação motora interferem diretamente sobre este quadro e sobre freqüentes complicações relacionadas ao quadro diabético, como eventos cardiovasculares (infartos, AVC, hipertensão – muito mais comuns nesta população), dislipidemia, obesidade, pé diabético, enrijecimento articular, depressão entre outros.
EXERCÍCIOS FÍSICOS BEM PRESCRITOS E ACOMPANHADOS:
· Aumentam e ajustam a demanda energética – favorece o controle de peso corporal e da obesidade,
· Promovem um equilíbrio entre os lipídios circulantes – diminuem a dislipidemia, favorecendo a redução dos triglicérides e o aumento do HDL - colesterol,
· Fortalecem o músculo cardíaco – reduzindo as chances de enfartos, melhorando os quadros de pressão arterial,
· Estimulam a circulação periférica – favorecendo a redução da incidência de problemas cutâneos e de pé diabético,
· Melhoram a permeabilidade da membrana citoplasmática à glicose sanguínea por maior disponibilidade de GLUT-4 intracelular – o que reduz a resistência à insulina e facilita o controle da glicemia, diminuem a hiperinsulinemia,
· Reduzem o risco de infecções – pois tornam o organismo mais resistente,
· Diminuem os riscos de osteoporose e osteopenia,
· Melhoram a percepção de si próprios e de suas sensações – melhorando a capacidade de perceber seus próprios sintomas,
· Trazem sensação de bem-estar e confiança – pois estimulam a liberação de hormônios que trazem estas sensações e fortalecem a capacidade de agir com seu próprio corpo sob seu próprio controle,
· São eficientes no tratamento de quadros de ansiedade e depressão,
· Quando praticadas em grupos, favorecem a socialização e a troca de experiências.
Mediados pela prática de exercícios e pela insulina, temos tendência à redução da massa gorda e o aumento da massa muscular (o que leva a um aumento da taxa metabólica basal, que por sua vez, favorece o controle ponderal). Por essa redução na resistência à insulina, melhor capacidade de aproveitamento das fontes de energia e pelas aumentadas reservas de glicogênio hepático e muscular disponíveis (energia de reserva), em longo prazo a prática regular de atividades físicas adequadas tende a favorecer o melhor controle glicêmico e a reduzir os riscos de hipo e hiperglicemias severas.
Além disso, a maioria dos diabéticos está entre os idosos, onde o exercício previne e trata a descalcificação óssea e a perda gradual de força e valências físicas, como equilíbrio, coordenação, velocidade.... e retarda a acelerada perda da flexibilidade (devido à glicosilação das pontes cruzadas de colágenos no tecido conjuntivo), que atinge principalmente as extremidades, como pés e mãos. A prática favorece a regulação do sono e da digestão, a socialização, a melhor percepção e conhecimento corporal e a auto-estima. Quadros depressivos e baixa auto-estima são comuns nesse grupo e a maior liberação de endorfinas, serotonina será bem-vinda.
Quando descontrolada, a diabetes provoca uma série de sintomas. É fundamental que o portador esteja não apenas intelectualmente familiarizado com tais sintomas, mas sensível a percebê-los. A educação física apropriada desenvolve mecanismos de percepção de si mesmo importantes para a consciência corporal, que levam à melhor sensação e controle de si próprio, favorecendo o autodomínio. A possibilidade de realizar atividades em grupo favorece a socialização, o controle emocional e a troca de experiências, dando oportunidade ao indivíduo de viver ganhos e perdas e frustrações saudáveis, estimulando a iniciativa, a tentativa de vencer obstáculos. Também permite uma relação mais saudável com os níveis de estresse (fator que facilmente contribui para o descontrole glicêmico). Todos estes aspectos se refletem em melhorar e manter a autonomia dos sujeitos.
É importante esclarecer que exercício não faz, necessariamente, “baixar a glicemia” – que é o efeito mais comum e que pode manter-se por horas, mas não é permanente uma vez que se volte à condição de inatividade. Daí a importância da adesão à prática regular e orientada por um professor de educação física capacitado. Se mantida uma prática regular e adequada de exercícios, pode-se, muitas vezes, reduzir ou até eliminar medicamentos (e seus efeitos colaterais). Mas, isso deve ser avaliado junto com o médico e a equipe de saúde, onde o professor deve estar presente. Aliás, para adequadamente prescrever e acompanhar os exercícios com diabéticos é necessário conhecer não só metabolismo e fisiologia do exercício, mas a fisiopatologia da doença, ação dos medicamentos, nutrição, emoções e os autocuidados, além dos aspectos didáticos e metodológicos.
Equipes multidisciplinares de educação e tratamento da DM não podem prescindir da atuação deste profissional a quem cabe, por lei e por formação acadêmica, a tarefa de levar o portador de DM à prática sistemática de exercícios físicos, um dos pilares do tratamento e controle da doença. E cuidado com tabelas prontas de prescrição de exercícios e de ajustes de glicemia – elas não servem, cada caso deve ser estudado e prescrito individualmente para que se tenham reais benefícios.
Dra. Jane Dullius