Bioenergética e Metabolismo
A maioria dos tratados de fisiologia do exercício traz o capítulo de
bioenergética e metabolismo nas suas partes iniciais. Isso se justifica pelo
simples fato de que sem energia o organismo não funciona, ou seja, o músculo
esquelético e o músculo cardíaco não se contraem, os hormônios não são
produzidos e secretados, o sistema nervoso não transmite informações, não
ocorrem os processos digestivos e, assim, sucessivamente.
A energia é exigida por
todas as células do organismo, por isso elas possuem vias metabólicas que
convertem os nutrientes (carboidratos, gorduras e proteínas) em uma forma de
energia biologicamente utilizável pelas células, o ATP (trifosfato de adenosina).
Esse processo metabólico de transformar nutrientes em energia é chamado de
bioenergética (Powers et al., 2011). Aliás, energia é um termo que possa ser
considerado um denominador comum para os aspectos da educação física, do
exercício físico e das atividades esportivas, pois o termo energia aparece em
todos os assuntos da fisiologia do exercício (Fox, 2000).
O metabolismo é a soma de todos os
processos químicos que ocorrem dentro do corpo (Plowman & Smith, 2009). O metabolismo quando participa
do processo de construção ou transformando partículas menores em outras partículas
mais complexas chamamos de anabolismo. A utilização de aminoácidos para formar
uma proteína específica e a formação de glicogênio muscular e hepático a partir
de moléculas de glicose, são alguns exemplos de anabolismo que podemos citar.
O catabolismo é o processo inverso do
anabolismo. Quando fracionamos o glicogênio armazenado para utilizarmos durante
o exercício, ele precisa ser degradado até formar glicose novamente, assim a
célula pode produzir energia utilizável na forma de ATP. Nesse sentido, o
catabolismo é de fundamental importância no metabolismo do exercício. Entretanto,
podemos concluir que o catabolismo é um processo de fracionamento que
transforma moléculas maiores e mais complexas em outras mais simples e menores.
A
energia pode ser definida como a capacidade de realizar trabalho. Em todo
momento o corpo precisa de energia, seja no sono ou na vigília o organismo não
para de trabalhar. Mesmo quando estamos dormindo, todas as funções orgânicas
continuam acontecendo (Plowman & Smith, 2009).
Para proporcionar a energia necessária
para os processos metabólicos, o organismo obedece à primeira lei da
termodinâmica, a qual estabelece que a
energia não pode ser criada nem destruída, mas pelo contrário, transformada de
uma forma para outra sem ser depletada.
Como seria a
representação dessa lei: combustível (carboidrato, gordura,
proteínas); energia (ATP); trabalho (funções
fisiológicas, calor). As principais formas de energia encontradas na natureza
são: química, térmica, mecânica, luminosa, nuclear e elétrica. Sendo que a
nossa principal fonte de energia para os processos do metabolismo é a química.
Já vimos que o ATP é a nossa “moeda”
de energia, no entanto, as células possuem uma capacidade de armazenamento
muito limitada para essa molécula. Temos ATP armazenado na célula capaz de
sustentar apenas 1 a 2 segundos de trabalho muscular vigoroso.
Nesse sentido,
precisamos de vias metabólicas que sejam capazes de produzir, ou melhor,
ressintetizar o ATP. Durante o exercício, por exemplo, precisamos de um
suprimento constante de ATP para fornecer a energia necessária para a contração
muscular (Powers et al., 2011).
As células
musculares podem produzir energia a partir de vias metabólicas e dos diferentes
sistemas energéticos, a saber:
1.
Vias
Metabólicas:
a.
Aeróbica;
b.
Anaeróbica
Isso significa que podemos produzir
energia tanto aerobicamente quanto anaerobicamente. Vale ressaltar que somos
seres aeróbicos por natureza, determinado pelo processo evolutivo. Possuímos
células “recheadas” de mitocôndrias (nossa usina produtora de energia), então,
qualquer produção de energia que não seja pela via aeróbica, acontece em
condições especiais, como durante o exercício de alta intensidade e curta
duração ou em algumas doenças.
Por que é considerada mais desejável a reciclagem do metabolismo
aeróbico do ATP, e não anaeróbico? Podemos dar pelo menos duas razões para
responder essa pergunta. A primeira razão é que o metabolismo aeróbico tem uma
capacidade muito maior de produzir ATP e, uma segunda razão, está no fato de
que durante essa fase do metabolismo não ocorre à acidose metabólica, condição
característica do metabolismo anaeróbico.
2.
Sistemas
Energéticos:
a.
Anaeróbico Alático
(ATP-CP);
b.
Anaeróbico Lático (glicólise anaeróbica ou
sistema do ácido lático);
c.
Aeróbico (fosforilação oxidativa).
É necessário o entendimento de cada um desses processos metabólicos,
pois sem essa compreensão todo o entendimento acerca da prescrição de
exercícios estará comprometido. É fato, também, que todas as três fases do
processo metabólico operam desde o primeiro momento do exercício. A única
diferença está na contribuição relativa de cada fase. Essa contribuição depende
da velocidade (intensidade do exercício) e do tempo gasto para realizar a
atividade. Outro fato importante que precisa ficar claro na cabeça do leitor,
antes de começarmos a caracterizar os sistemas energéticos, refere-se à
condição de que esses sistemas não são importantes apenas durante os exercícios
físicos, a sua contribuição é decisiva e fundamental para as nossas atividades
de vida do cotidiano, como por exemplo, subir escadas, caminhar em casa, na
escola e no trabalho, corremos para apanharmos um ônibus, trem ou metrô e assim
por diante. Então caracterizemos esses sistemas.
a.
Anaeróbico
alático: sistema ATP-CP ou Fosfagênio – refere-se à rápida
reciclagem de ATP em decorrência da hidrólise da creatina fosfato. Esse sistema
é predominante quando realizamos exercícios de alta intensidade e curta
duração. O sistema fosfagênio tem uma enorme importância em alguns desportos e
nas atividades do cotidiano, vejamos alguns exemplos: na corrida de 100m,
natação de 25m, levantamento de cargas elevadas, chute no futebol, saque e cortada no vôlei,
arremesso no basquete, são exemplos dos desportos. Quando damos um pique para
pegar o ônibus, quando levantamos rapidamente, quando deslocamos algum móvel
pesado em nossas casas utilizamos, também, esse sistema de produção de energia.
Características
do Sistema ATP-CP:
o
Fonte mais rapidamente
disponível de ATP
o
Permite movimentos rápidos e vigorosos.
o
Não depende de uma longa série de reações
químicas.
o
Independe do O2
o
Reação catalisada pela
enzima creatina cinase
o
Na célula há aproximadamente quatro a seis
vezes mais CP que ATP
o
O suprimento de ATP-CP
consegue proporcionar pouco menos de 10 segundos de atividade máxima
o
Não há produção excessiva
e acúmulo de ácido lático
Ressíntese
de ATP via CP:
CP → ação da enzima creatina cinase → Creatina fosfato depois de clivada da origem à: creatina e Pi → Liberação de ENERGIA
A ENERGIA liberada da reação anterior vai ser utilizada para a
ressíntese de ATP.
Vejamos como acontece:
Energia →
ADP + Pi: ATP
b.
Anaeróbico Lático
(glicólise anaeróbica ou sistema do ácido lático) – a glicólise anaeróbica é a
fonte mais primitiva de produção de energia. A glicólise deriva do grego que
quer dizer dissolução do açúcar, ou seja, responsável pela desintegração
incompleta dos carboidratos até o ácido lático.
Requer 10 reações químicas separadas a partir
da degradação da glicose ou 11 reações a partir do glicogênio. A glicólise
ocorre no sarcoplasma da célula muscular e produz um ganho real de duas
moléculas de ATP e é crucial em atividades que exijam esforços intensos em
duração de até 90 segundos. É dependente de enzimas específicas, chamadas de
glicolíticas e da quantidade de glicose que chega e consegue entrar na célula,
via proteínas transportadoras de glicose específicas do tecido muscular
chamadas de GLUT1 e GLUT4. A densidade de GLUT4 é
aumentada em resposta à insulina a ao exercício (Robergs & Roberts, 2002).
A glicólise é limitada pela enzima Fosfofrutoquinase (PFK): que
governa a conversão de frutose-6-fosfato em frutose 1,6-fosfato.
A glicólise pode ser aeróbica ou anaeróbica;
quando a reação termina com a produção de ácido pirúvico, chamamos de glicólise
aeróbica; mas quando o produto final é o ácido lático, a glicólise é
anaeróbica. Nesse sentido, podemos concluir que o único substrato capaz de
fornecer energia anaerobicamente é o carboidrato.
Formação de
ácido lático:
O
ácido lático pode ser formado de duas maneiras: no repouso e principalmente
durante os exercícios mais intensos. Durante o repouso, produzimos certa
quantidade de ácido lático que mantém as suas concentrações em torno de 0,8 mmol.
Isso é possível devido a alguns tecidos produzirem energia exclusivamente
através do metabolismo anaeróbico e por limitações impostas pela atividade
enzimática das fibras musculares tipo IIx, antiga fibra tipo IIB. O principal
exemplo acontece nas hemácias, célula responsável por transportar oxigênio para
todos os tecidos. Essa condição é chamada de paradoxo das hemácias. Todo
metabolismo aeróbico só pode acontecer na presença de oxigênio e nas mitocôndrias,
isso é fato. Mas como uma célula que transporta o oxigênio não o faz? Pelo
simples fato das hemácias não possuírem mitocôndrias. Isso acontece para que as
hemácias aumentem a sua capacidade de transportar hemoglobina para carrear mais
oxigênio para os tecidos. Por isso que toda atividade metabólica que ocorre nas
hemácias é via glicólise com concomitante produção de ácido lático.
O músculo estriado
esquelético é o principal local de produção de ácido lático, mas também é um
tecido primário na sua remoção via oxidação (Powers et al., 2011). Isso
significa que o ácido lático é uma fonte valiosa de energia, inclusive para o
coração. O ácido lático é produzido via ação de uma enzima denominada lactato
desidrogenase (LDH), como indicado na reação a seguir:
As condições
metabólicas que geram o aumento da produção de ácido lático constituem tópicos
especiais em fisiologia do exercício e bioquímica (Robergs & Roberts, 2002). Essas condições, conhecidas como
limiares metabólicos, são de fundamental importância e têm sido amplamente
utilizado por pesquisadores, fisiologistas, preparadores físicos e médicos.
Entre 1957 e 1963, foi introduzido por
alguns pesquisadores o conceito de início do metabolismo anaeróbico para
avaliar a capacidade de desempenho aeróbico cardiopulmonar e periférico. O termo limiar
anaeróbico foi introduzido por Wasserman & Mcllroy na década de 1960 onde eles
identificaram na resposta do lactato sanguíneo ao exercício um índice que
também poderia ser utilizado para a avaliação aeróbica dos indivíduos. Esse
índice foi definido pelo próprio Wasserman como a Intensidade de exercício na
qual a concentração sanguínea de lactato aumenta de forma exponencial e a
ventilação pulmonar se intensifica também de maneira não linear ao oxigênio
consumido (Wasserman, 1967), ou seja, ele sugeriu que as trocas gasosas fossem usadas
para determinar o ponto de início do acúmulo de lactato. Pois, as mudanças na
ventilação e no lactato eram coincidentes. A origem do conceito foi proposta
inicialmente para cardiopatas, posteriormente para desempenho de atletas de
alto nível. Segundo Macintosh (2003), o limiar anaeróbico é definido como a
intensidade do exercício acima da qual o consumo de oxigênio não é capaz de
suprir a demanda energética. Nesse sentido, há um aumento da concentração de
lactato sanguíneo que leva a uma fadiga em poucos minutos.
O nível de
ácido lático no sangue constitui um excelente indicador do sistema energético
que está sendo usado predominantemente
durante o exercício. Vale ressaltar que
alguns autores consideram e adotam concentrações
fixas de 2 e 4 mmol de lactato no sangue. Já outros autores preferem não adotar
esse critério das concentrações fixas de lactato, devido à grande variação que
pode ocorrer entre os indivíduos. A partir desses achados, foi introduzido na
literatura o termo limiar anaeróbico individual (IAT). Particularmente o IAT
individualiza os resultados e podem ser mais bem aplicados para os propósitos
desejados.
Alguns fatores estão relacionados ao limiar de lactato, como por
exemplo: quantidade de oxigênio tecidual baixa, dependência da glicólise ou
glicólise acelerada, ativação das fibras musculares de contração rápida,
atividade adrenérgica elevada e remoção reduzida do lactato.
O que ocorre com o
ácido lático após o exercício? De que maneira ele é removido? No início das
investigações científicas, foi proposto que a maior parte do ácido lático
produzido durante o exercício era convertido em glicose pelo fígado, processo
metabólico conhecido como Ciclo de Cori. Na verdade esse ciclo ocorre e é muito
importante, mas não nessa proporção. O Ciclo de Cori é um processo de
gliconeogênese (formação de glicose a partir de substâncias não carboidratadas)
do ácido lático. Essa conversão, como já citada, ocorre no fígado e tem um
papel muito importante, inclusive para a manutenção da glicemia. Atualmente, as
pesquisas convergem para novas evidências acerca do destino do ácido lático
pós-exercício. A maior parte é oxidada (cerca de 70%) pelos tecidos,
principalmente coração e músculo esquelético, 20% são convertidos em glicose
(Ciclo de Cori) e 10% são convertidos em aminoácidos.
Existe a possibilidade
de que o excesso de ácido lático produzido durante o exercício seja removido
mais rapidamente quando nos exercitamos em uma intensidade entre 30 e 40% da
potência aeróbica máxima do que se ficarmos em repouso. Então, podemos observar o quanto ele é
importante e os seus níveis no sangue podem nos fornecer informações
importantes acerca da nossa condição física e, também, de saúde.
Importância desse parâmetro:
o
Prescrição da intensidade relativa de esforço;
o
Controle e determinação dos efeitos do treinamento ou
destreinamento;
o
Predição de desempenho físico principalmente em atividades de
predomínio aeróbico;
o
Avaliação de cardiopatas
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