Por Herton Escobar
Hoje vou fugir um pouco do formato básico deste blog para fazer uma reflexão
editorial sobre um tema que foi levantado esta semana em meio às chamas que
destruíram a coleção de cobras e aranhas do Instituto Butantan (IB).
Em entrevistas à imprensa, o ex-diretor da Fundação Butantan (braço privado
do IB, que faz a gestão financeira do instituto) , Isaias Raw, defendeu a
priorização da produção de vacinas no Instituto e menosprezou as pesquisas
feitas com a coleção. Disse que a função do IB era salvar vidas e não “ficar
brincando com cobra” e que a ciência feita pelos pesquisadores da coleção
era de “quinta categoria”.
Logo, vieram me perguntar: “Mas e aí, os caras lá são bons mesmo?”
Essa pergunta é extremamente difícil de ser respondida. Em geral, quem tem
um bom conhecimento de ciência olha para um cientista e sabe se ele é bom ou
não é. Mas como é que você “prova” isso estatisticamente? Sem conhecer
nenhum dos pesquisadores do Butantan pessoalmente, como é que você definiria
se eles são cientistas de primeira, segunda ou terceira categoria?
Ironicamente, definir um bom cientista cientificamente não é nada fácil.
Seja qual for o parâmetro escolhido, alguém sempre acaba injustiçado. Tanto
que a definição de mérito para distribuição de bolsas e seleção de projetos
é um dos temas mais polêmicos da política científica – não só no Brasil, mas
no mundo todo.
Por exemplo: Quem é o melhor cientista, aquele que publica mais, aquele que
ensina mais, aquele que patenteia mais, aquele que faz pouca pesquisa mas
atrai muitos recursos (financeiros e humanos) para sua instituição….?
E se considerarmos apenas as publicações, quem é o melhor: aquele que
publicou 10 trabalhos medianos em 1 ano, ou aquele que publicou 1 trabalho
revolucionário em 10 anos? Aquele que só publicou trabalhos medianos
certamente não vai ganhar o Prêmio Nobel, mas talvez ele tenha orientado e
formado muito mais alunos do que aquele que fez uma descoberta bombástica no
mesmo período. E aí? Quem é o melhor cientista? Quem merece ganhar mais
dinheiro e ter ar-condicionado na sala?
A resposta “correta”, claro, é que precisamos de todos os tipos de
cientistas. Precisamos de pesquisadores audaciosos, empreendedores, do tipo
Craig Venter, que buscam descobertas revolucionárias e não perdem tempo com
“picuinhas”. Precisamos de pesquisadores- professores inteligentes, que se
dediquem a formar jovens cientistas competentes e fazer boas pesquisas, sem
se preocupar necessariamente em ganhar um Prêmio Nobel. Precisamos também de
bons cientistas curadores, educadores, expositores, oradores, escritores,
divulgadores, que talvez nunca publicaram um trabalho de impacto, mas que
sabem transmitir o conhecimento da ciência para o grande público de maneira
inteligente, seja na forma de um livro ou de uma exposição, fazendo com que
as pessoas entendam, apoiem e se entusiasmem pela ciência. Etc.
Aos olhos de alguém como o Dr. Isaias, que dedicou sua vida ao estudo e à
produção de vacinas, o trabalho de alguém que dedica a vida a descrever
espécies de cobra guardadas em vidros com álcool pode parecer totalmente
irrelevante. Mas obviamente que não é. Claro que a importância da produção
de vacinas é inegável, inquestionável, mas as milhares de pessoas que
visitam o Instituto Butantan todos os meses não vão lá para olhar as
fábricas de vacinas. Vão lá para ver as cobras e aprender sobre elas! Ou
alguém aí já viu uma criança com a cara grudada no vidro e a boca aberta de
espanto olhando pela janela de uma fábrica? “Mamãe, olha só aquela linha de
produção, que incrível!!! Tira uma foto?”…. acho que não.
Pois então: é só graças a essas coleções biológicas e graças ao trabalho
desses cientistas “de quinta categoria” que conhecemos os nomes, os hábitats
e o comportamento de todas essas cobras e aranhas fascinantes. Que graça
teria viver cheio de saúde num mundo sobre o qual não conhecemos nada?
Ciência não precisa salvar vidas nem ganhar Prêmio Nobel para ser boa. Só
precisa ser boa.
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