segunda-feira, 21 de setembro de 2015



Bioenergética e Metabolismo
            A maioria dos tratados de fisiologia do exercício traz o capítulo de bioenergética e metabolismo nas suas partes iniciais. Isso se justifica pelo simples fato de que sem energia o organismo não funciona, ou seja, o músculo esquelético e o músculo cardíaco não se contraem, os hormônios não são produzidos e secretados, o sistema nervoso não transmite informações, não ocorrem os processos digestivos e, assim, sucessivamente.
            A energia é exigida por todas as células do organismo, por isso elas possuem vias metabólicas que convertem os nutrientes (carboidratos, gorduras e proteínas) em uma forma de energia biologicamente utilizável pelas células, o ATP (trifosfato de adenosina). Esse processo metabólico de transformar nutrientes em energia é chamado de bioenergética (Powers et al., 2011). Aliás, energia é um termo que possa ser considerado um denominador comum para os aspectos da educação física, do exercício físico e das atividades esportivas, pois o termo energia aparece em todos os assuntos da fisiologia do exercício (Fox, 2000).
            O metabolismo é a soma de todos os processos químicos que ocorrem dentro do corpo (Plowman & Smith, 2009). O metabolismo quando participa do processo de construção ou transformando partículas menores em outras partículas mais complexas chamamos de anabolismo. A utilização de aminoácidos para formar uma proteína específica e a formação de glicogênio muscular e hepático a partir de moléculas de glicose, são alguns exemplos de anabolismo que podemos citar.
O catabolismo é o processo inverso do anabolismo. Quando fracionamos o glicogênio armazenado para utilizarmos durante o exercício, ele precisa ser degradado até formar glicose novamente, assim a célula pode produzir energia utilizável na forma de ATP. Nesse sentido, o catabolismo é de fundamental importância no metabolismo do exercício. Entretanto, podemos concluir que o catabolismo é um processo de fracionamento que transforma moléculas maiores e mais complexas em outras mais simples e menores.
            A energia pode ser definida como a capacidade de realizar trabalho. Em todo momento o corpo precisa de energia, seja no sono ou na vigília o organismo não para de trabalhar. Mesmo quando estamos dormindo, todas as funções orgânicas continuam acontecendo (Plowman & Smith, 2009).
Para proporcionar a energia necessária para os processos metabólicos, o organismo obedece à primeira lei da termodinâmica, a qual estabelece que a energia não pode ser criada nem destruída, mas pelo contrário, transformada de uma forma para outra sem ser depletada.
Como seria a representação dessa lei: combustível (carboidrato, gordura, proteínas); energia (ATP); trabalho (funções fisiológicas, calor). As principais formas de energia encontradas na natureza são: química, térmica, mecânica, luminosa, nuclear e elétrica. Sendo que a nossa principal fonte de energia para os processos do metabolismo é a química.
            Já vimos que o ATP é a nossa “moeda” de energia, no entanto, as células possuem uma capacidade de armazenamento muito limitada para essa molécula. Temos ATP armazenado na célula capaz de sustentar apenas 1 a 2 segundos de trabalho muscular vigoroso.
Nesse sentido, precisamos de vias metabólicas que sejam capazes de produzir, ou melhor, ressintetizar o ATP. Durante o exercício, por exemplo, precisamos de um suprimento constante de ATP para fornecer a energia necessária para a contração muscular (Powers et al., 2011).
As células musculares podem produzir energia a partir de vias metabólicas e dos diferentes sistemas energéticos, a saber:

1.    Vias Metabólicas:
a.    Aeróbica;
b.    Anaeróbica
Isso significa que podemos produzir energia tanto aerobicamente quanto anaerobicamente. Vale ressaltar que somos seres aeróbicos por natureza, determinado pelo processo evolutivo. Possuímos células “recheadas” de mitocôndrias (nossa usina produtora de energia), então, qualquer produção de energia que não seja pela via aeróbica, acontece em condições especiais, como durante o exercício de alta intensidade e curta duração ou em algumas doenças.
Por que é considerada mais desejável a reciclagem do metabolismo aeróbico do ATP, e não anaeróbico? Podemos dar pelo menos duas razões para responder essa pergunta. A primeira razão é que o metabolismo aeróbico tem uma capacidade muito maior de produzir ATP e, uma segunda razão, está no fato de que durante essa fase do metabolismo não ocorre à acidose metabólica, condição característica do metabolismo anaeróbico.


2.    Sistemas Energéticos:
a.    Anaeróbico Alático (ATP-CP);
b.     Anaeróbico Lático (glicólise anaeróbica ou sistema do ácido lático);
c.    Aeróbico (fosforilação oxidativa).

É necessário o entendimento de cada um desses processos metabólicos, pois sem essa compreensão todo o entendimento acerca da prescrição de exercícios estará comprometido. É fato, também, que todas as três fases do processo metabólico operam desde o primeiro momento do exercício. A única diferença está na contribuição relativa de cada fase. Essa contribuição depende da velocidade (intensidade do exercício) e do tempo gasto para realizar a atividade. Outro fato importante que precisa ficar claro na cabeça do leitor, antes de começarmos a caracterizar os sistemas energéticos, refere-se à condição de que esses sistemas não são importantes apenas durante os exercícios físicos, a sua contribuição é decisiva e fundamental para as nossas atividades de vida do cotidiano, como por exemplo, subir escadas, caminhar em casa, na escola e no trabalho, corremos para apanharmos um ônibus, trem ou metrô e assim por diante. Então caracterizemos esses sistemas.
a.    Anaeróbico alático: sistema ATP-CP ou Fosfagênio – refere-se à rápida reciclagem de ATP em decorrência da hidrólise da creatina fosfato. Esse sistema é predominante quando realizamos exercícios de alta intensidade e curta duração. O sistema fosfagênio tem uma enorme importância em alguns desportos e nas atividades do cotidiano, vejamos alguns exemplos: na corrida de 100m, natação de 25m, levantamento de cargas elevadas, chute no futebol, saque e cortada no vôlei, arremesso no basquete, são exemplos dos desportos. Quando damos um pique para pegar o ônibus, quando levantamos rapidamente, quando deslocamos algum móvel pesado em nossas casas utilizamos, também, esse sistema de produção de energia.


Características do Sistema ATP-CP:
o   Fonte mais rapidamente disponível de ATP
o    Permite movimentos rápidos e vigorosos.
o    Não depende de uma longa série de reações químicas.
o    Independe do O2
o    Reação catalisada pela enzima creatina cinase
o    Na célula há aproximadamente quatro a seis vezes mais CP que ATP
o   O suprimento de ATP-CP consegue proporcionar pouco menos de 10 segundos de atividade máxima
o   Não há produção excessiva e acúmulo de ácido lático

Ressíntese de ATP via CP:



 
         CP  → ação da enzima creatina cinase → Creatina fosfato depois de clivada da origem à: creatina e Pi → Liberação de ENERGIA

A ENERGIA liberada da reação anterior vai ser utilizada para a ressíntese de ATP.
Vejamos como acontece:




 
                  Energia    ADP + Pi:      ATP

b.    Anaeróbico Lático (glicólise anaeróbica ou sistema do ácido lático) – a glicólise anaeróbica é a fonte mais primitiva de produção de energia. A glicólise deriva do grego que quer dizer dissolução do açúcar, ou seja, responsável pela desintegração incompleta dos carboidratos até o ácido lático.
Requer 10 reações químicas separadas a partir da degradação da glicose ou 11 reações a partir do glicogênio. A glicólise ocorre no sarcoplasma da célula muscular e produz um ganho real de duas moléculas de ATP e é crucial em atividades que exijam esforços intensos em duração de até 90 segundos. É dependente de enzimas específicas, chamadas de glicolíticas e da quantidade de glicose que chega e consegue entrar na célula, via proteínas transportadoras de glicose específicas do tecido muscular chamadas de GLUT1 e GLUT4. A densidade de GLUT4 é aumentada em resposta à insulina a ao exercício (Robergs & Roberts, 2002). A glicólise é limitada pela enzima Fosfofrutoquinase (PFK): que governa a conversão de frutose-6-fosfato em frutose 1,6-fosfato.
A glicólise pode ser aeróbica ou anaeróbica; quando a reação termina com a produção de ácido pirúvico, chamamos de glicólise aeróbica; mas quando o produto final é o ácido lático, a glicólise é anaeróbica. Nesse sentido, podemos concluir que o único substrato capaz de fornecer energia anaerobicamente é o carboidrato.
Formação de ácido lático:
            O ácido lático pode ser formado de duas maneiras: no repouso e principalmente durante os exercícios mais intensos. Durante o repouso, produzimos certa quantidade de ácido lático que mantém as suas concentrações em torno de 0,8 mmol. Isso é possível devido a alguns tecidos produzirem energia exclusivamente através do metabolismo anaeróbico e por limitações impostas pela atividade enzimática das fibras musculares tipo IIx, antiga fibra tipo IIB. O principal exemplo acontece nas hemácias, célula responsável por transportar oxigênio para todos os tecidos. Essa condição é chamada de paradoxo das hemácias. Todo metabolismo aeróbico só pode acontecer na presença de oxigênio e nas mitocôndrias, isso é fato. Mas como uma célula que transporta o oxigênio não o faz? Pelo simples fato das hemácias não possuírem mitocôndrias. Isso acontece para que as hemácias aumentem a sua capacidade de transportar hemoglobina para carrear mais oxigênio para os tecidos. Por isso que toda atividade metabólica que ocorre nas hemácias é via glicólise com concomitante produção de ácido lático.
            O músculo estriado esquelético é o principal local de produção de ácido lático, mas também é um tecido primário na sua remoção via oxidação (Powers et al., 2011). Isso significa que o ácido lático é uma fonte valiosa de energia, inclusive para o coração. O ácido lático é produzido via ação de uma enzima denominada lactato desidrogenase (LDH), como indicado na reação a seguir:



PIRUVATO + NADH + H+     LDH                     ÁCIDO LÁTICO

As condições metabólicas que geram o aumento da produção de ácido lático constituem tópicos especiais em fisiologia do exercício e bioquímica (Robergs & Roberts, 2002). Essas condições, conhecidas como limiares metabólicos, são de fundamental importância e têm sido amplamente utilizado por pesquisadores, fisiologistas, preparadores físicos e médicos.
Entre 1957 e 1963, foi introduzido por alguns pesquisadores o conceito de início do metabolismo anaeróbico para avaliar a capacidade de desempenho aeróbico cardiopulmonar e periférico.   O termo limiar anaeróbico foi introduzido por Wasserman & Mcllroy na década de 1960 onde eles identificaram na resposta do lactato sanguíneo ao exercício um índice que também poderia ser utilizado para a avaliação aeróbica dos indivíduos. Esse índice foi definido pelo próprio Wasserman como a Intensidade de exercício na qual a concentração sanguínea de lactato aumenta de forma exponencial e a ventilação pulmonar se intensifica também de maneira não linear ao oxigênio consumido (Wasserman, 1967), ou seja, ele sugeriu que as trocas gasosas fossem usadas para determinar o ponto de início do acúmulo de lactato. Pois, as mudanças na ventilação e no lactato eram coincidentes. A origem do conceito foi proposta inicialmente para cardiopatas, posteriormente para desempenho de atletas de alto nível. Segundo Macintosh (2003), o limiar anaeróbico é definido como a intensidade do exercício acima da qual o consumo de oxigênio não é capaz de suprir a demanda energética. Nesse sentido, há um aumento da concentração de lactato sanguíneo que leva a uma fadiga em poucos minutos.
O nível de ácido lático no sangue constitui um excelente indicador do sistema energético que está sendo usado predominantemente durante o exercício. Vale ressaltar que alguns autores consideram e adotam concentrações fixas de 2 e 4 mmol de lactato no sangue. Já outros autores preferem não adotar esse critério das concentrações fixas de lactato, devido à grande variação que pode ocorrer entre os indivíduos. A partir desses achados, foi introduzido na literatura o termo limiar anaeróbico individual (IAT). Particularmente o IAT individualiza os resultados e podem ser mais bem aplicados para os propósitos desejados.
Alguns fatores estão relacionados ao limiar de lactato, como por exemplo: quantidade de oxigênio tecidual baixa, dependência da glicólise ou glicólise acelerada, ativação das fibras musculares de contração rápida, atividade adrenérgica elevada e remoção reduzida do lactato.
O que ocorre com o ácido lático após o exercício? De que maneira ele é removido? No início das investigações científicas, foi proposto que a maior parte do ácido lático produzido durante o exercício era convertido em glicose pelo fígado, processo metabólico conhecido como Ciclo de Cori. Na verdade esse ciclo ocorre e é muito importante, mas não nessa proporção. O Ciclo de Cori é um processo de gliconeogênese (formação de glicose a partir de substâncias não carboidratadas) do ácido lático. Essa conversão, como já citada, ocorre no fígado e tem um papel muito importante, inclusive para a manutenção da glicemia. Atualmente, as pesquisas convergem para novas evidências acerca do destino do ácido lático pós-exercício. A maior parte é oxidada (cerca de 70%) pelos tecidos, principalmente coração e músculo esquelético, 20% são convertidos em glicose (Ciclo de Cori) e 10% são convertidos em aminoácidos.
Existe a possibilidade de que o excesso de ácido lático produzido durante o exercício seja removido mais rapidamente quando nos exercitamos em uma intensidade entre 30 e 40% da potência aeróbica máxima do que se ficarmos em repouso. Então, podemos observar o quanto ele é importante e os seus níveis no sangue podem nos fornecer informações importantes acerca da nossa condição física e, também, de saúde.
Importância desse parâmetro:
o   Prescrição da intensidade relativa de esforço;
o   Controle e determinação dos efeitos do treinamento ou destreinamento;
o   Predição de desempenho físico principalmente em atividades de predomínio aeróbico;
o   Avaliação de cardiopatas

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